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Salários em URV vão pagar menos imposto

Como estava o clima há 25 anos, alguns dias após o lançamento do Plano Real?

Muita gente ainda percebe a URV como um mistério, mas indexador já tem adesão do sistema financeiro. Inflação atinge 45% em Cruzeiros e governo anuncia que salários em URV pagarão menos imposto. FHC assume possível candidatura à presidência, enquanto a CUT convoca greve geral.

O sentimento de parte da população àquela altura foi expresso no artigo do advogado tributarista Roberto Pasqualin, publicado no Estadão: “O Plano FHC está ancorado numa figura um pouco mágica, e bastante híbrida, batizada de Unidade Real de Valor – mas que, no futuro, iremos chamar só de real”, escreveu.

Leia o artigo na íntegra:

Magic URV, a homoeda

O Plano FHC está ancorado numa figura um pouco mágica, e bastante híbrida, batizada de Unidade Real de Valor – mas que, no futuro, iremos chamar só de real.

A U, Erre, Vê nasce para ser o indexador oficial da economia, um superindexador da economia brasileira, atrelado aos três principais índices nacionais e, embora não oficialmente, também ao dólar. Mias para a frente, a URV perde a unidade e perde o valor. Magicamente se transmuta, então, em real, a nova moeda corrente nacional, uma supermoeda, uma moeda forte, supostamente sem inflação. Leva o nome que, no passado, já foi o do nosso dinheiro, que já se chamou assim, real. No plural, se chama de réis. Um mil réis, um conto de réis, sempre muito réis. Réis, não reais… Num país que recentemente disse não à monarquia, voltar ao real, aos reais, ou aos réis, é mágico. Realmente mágico.

Como será mágico transformar o que de início é simples indexador, simples instrumento de medição da desvalorização da moeda, em moeda propriamente dita. A dupla natureza da URV/real – indexador da moeda e moeda, ele mesmo – mostra o hibridismo da recém-criada figura. A URV é confessadamente um híbrido de índice com moeda corrente, é um algo que se pretende bastar em si mesmo, uma homoeda. Aí reside certamente sua maior dificuldade. É difícil perceber como, sem um passe de mágica, a transmutação se fará.

Sabemos todos que é legalmente possível determinar a circulação forçada da nova moeda, o real. A Constituição autoriza, o Executivo propõe, o Legislativo aprova e o real vira a moeda do País. Mas, na concepção do plano, para existir o real a URV terá de desaprecer. Como será possível, então, em relação à nova moeda, encontrar um instrumento legal destinado a medir sua própria desvalorização? Não haverá mais a URV, só a moeda, só o real. E quem, ou o que, e como medir o real?

Dirão alguns que, transformado em moeda forte, não haverá por que medir a desvalorização do real. O real estaria livre da inflação… Essa história já ouvimos antes e o final nunca foi feliz. A inflação nunca acabou por decreto. A nova moeda ficará sujeita à flutuação de valor, sim, e essa flutuação deverá sem medida, sim.

Do contrário, o governo estaria patrocinando a volta do desequilíbrio nas relações econômicas no país. Há muito que se cristalizou, aqui, a noção de que os efeitos da inflação devem ser neutralizados, para evitar o enriquecimento sem causa de alguns à custa do empobrecimento sem razão de outros. O Brasil é seguramente o país do mundo onde melhor se desenvolveu a técnica da atualização monetária. É para isso que serve a indexação, é por isso que se faz a medição da desvalorização da moeda.

Na dupla concepção de indexador/moeda, a URV e o real serão figuras de difícil afirmação. Por enquanto, como superíndice, não deverá haver maiores problemas. Depois, no entanto, como moeda, é que a história poderá se complicar, uma figura homo será necessária a mágica da boa política para fazer a URV e o real funcionarem bem.

Para o bem do País, é preciso que haja tempo para tal. Tempo que, num ano especialmente político, pode ser insuficiente. É preciso também que o maestro desse plano se mantenha na condução do processo até o fim. É preciso que ele faça a boa política, é preciso que permaneça na função em que está, é preciso que não largue a batuta e deixe a orquestra sem comando. Se assim for, a homoeda, híbrida e mágica, terá chance de se afirmar como moeda estável, para o bem do País.

Roberto Pasqualin é advogado tributário em São Paulo

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