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Itamar ficou à margem até a última hora

Um momento de alta tensão política. Para viabilizar o Plano Real, a equipe econômica comandada por FHC atuou como um governo a parte dentro do governo.

Atuando estrategicamente, eles conseguiram manter o então presidente Itamar Franco às margens da discussão até praticamente o último instante. Saudoso do efeito político imediato de alta popularidade causado pelo Plano Cruzado, lançado por José Sarney, Itamar queria um plano que controlasse os preços de cima pra baixo, na base da canetada – ignorando a lição do fracasso daquele plano.

Mas a equipe econômica não aceitava ignorar lição alguma. A inflação corroía o poder de compra das pessoas a cada dia. Era preciso desmontar a bomba-relógio e extinguir o dragão – símbolo da inflação – do imaginário brasileiro. O Real seria feito sem mágica: sem confisco, sem congelamento, sem populismo.

Esse conflito constante deu o tom daqueles dias, às portas de março de 1994. De um lado, políticos contaminados pela magia do populismo. Do outro, a realidade da economia e a constatação irrefutável de que o dinheiro é limitado e o poder do governo também precisa ser.

Esse é o plano de fundo da reportagem assinada pelos jornalistas Josias de Souza e Clóvis Rossi nas páginas da Folha de São Paulo:

Itamar ficou à margem até a última hora
(reportagem da Folha de São Paulo)

Por Josias de Souza e Clóvis Rossi

O advogado Saulo Ramos, sem qualquer função executiva no governo, tomou conhecimento da medida provisória da URV antes de Itamar Franco, na sexta-feira. A equipe econômica manteve o presidente estrategicamente à margem das discussões.

Só na tarde de sábado Itamar pôs a mão na MP. Levou 24 horas de desvantagem em relação a Saulo, chamado a opinar pelo próprio ministro Fernando Henrique Cardoso (Fazenda). Para não “boiar” na discussão com seus ministros, o presidente foi obrigado a devorar o documento até as duas da madrugada de domingo.

Ontem, estampava o cansaço no rosto e não escondia palavras de insatisfação em relação a alguns aspectos do plano. Sua grande queixa era a ausência de regras para controlar preços. No limite, queria que todos os preços fossem convertidos pela média dos últimos quatro meses, como os salários.

O presidente comportou-se nas últimas horas como refém do ministro da Fazenda. “Agora não tem mais volta. Temos que reforçar a posição do Fernando Henrique”, disse, na noite de sábado, aos três auxiliares que o ajudaram a interpretar o texto da medida provisória. “Quanto a mim, o que desejo é entregar a casa arrumada para o meu sucessor. Se conseguir isso, estarei realizado”.

Na questão dos preços, o ministro foi forçado a concordar com a inclusão na MP de dispositivo que permite ao governo chamar oligopólios para explicar eventuais aumentos ditos abusivos.

Na ponta do lápis, Itamar passou 18 horas e meia debruçado sobre o texto da MP. Foram quatro horas de mini-reunião ministerial no sábado, seis horas de leitura, interrompidas apenas na madrugada de domingo, e mais oito horas e meia numa segunda reunião, ontem.

Uma de suas grandes preocupações era a ameaça de debandada do ministro Walter Barelli. No sábado, Barelli mostrava-se irredutível: queria pelo menos melhorar a situação do salário mínimo.

Na noite de sábado, Itamar invocava o histórico de Barelli, ex-presidente do Dieese, para resumir sua angústia: “A saída de Barelli seria interpretada como sinônimo de arrocho. E isso eu não posso admitir”.

Itamar fez questão de presidir a reunião de ontem, a mais longa de sua gestão. Foi um encontro caótico. O presidente deu a palavra a todos, em instantes variados. Mostrava-se tenso. Fernando Henrique comportava-se como se estivesse com a paciência esgotada.

A vitória da equipe econômica resultou na publicação da Medida Provisória 434, em 27 de fevereiro de 1994, lançando oficialmente a URV – Unidade Real de Valor, uma moeda virtual indexada ao dólar que serviu como parâmetro de referência de preços na fase de transição da moeda física para o Real.

A medida foi a deflagração da segunda etapa do Plano Real, após a aprovação do Fundo Social de Emergência, que retirou a obrigatoriedade constitucional de uma série de gastos do governo – viabilizando o início do controle de uma até então desgovernada trajetória de crescimento dos gastos do governo.

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